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domingo, 22 de fevereiro de 2009

Último post: despedida. Fim do PS do Yuri Almeida

Quando iniciei meu primeiro blog - O Teatro dos Loucos, em 19 de março de 2000 - experimentei uma das maiores alegrias dos últimos anos; ver algo que eu escrevera posto on line, para leitura de todos - pelo menos, todos que visitassem a página - foi uma das sensações mais próximas que tive do que significa divulgar algo que se faz e se gosta.

Em princípio, o mero fato de ver meus textos arrumadinhos, expostos, alegrava-me. Mais tarde, a isto se juntou descobrir o controle de métricas e assim saber que era visitado; o que procuravam na internet, e porquê achavam meu blog; encontrar os primeiros comentários; respondê-los. Descobrir blogs novos e fazer novos amigos.

Todas estas experiências foram importantes para mim. Manter blogs aprimorou minha disciplina, testou meu estilo, abriu-me os olhos para opiniões diferentes das minhas, trouxe-me mais segurança: aprendi que posso fazer algumas coisas, que sou capaz de fazê-las; ganhei autoconfiança, algo de que todo tímido sabe o valor.

Como nada é perfeito neste mundo, tive também alguns dissabores. Manter um blog é ter outro emprego. É difícil manter a qualidade que se deseja e que até se declara como imprescindível; é difícil, para alguém autocrítico, afirmar que devemos nos divertir com um blog e ao mesmo tempo ser assolado pela culpa quando o texto que exibe é abaixo da qualidade mínima que se anseia.

Difícil, também, debruçar-se sobre um micro atualmente caprichoso, que desliga quando menos se deseja, e lutar para editar, cortar, polir um texto no bloco de notas.

Fora o fato de acontecimentos pessoais estarem destruíndo minha alma completamente; deixando-me sem vontade alguma de fazer o que mais gosto: escrever.

Se reparado for, perceber-se-á que os posts anteriores vieram todos encharcados de profunda tristeza e angústia. Mesmo que eu tenha tentado o disfarce.

Desestimulante perceber que muitos blogs queridos, que costumavam funcionar como um estímulo, seus donos propiciando trocas de idéias, humor, discussão, entusiasmo, encerraram as atividades ou, em alguns casos, tornaram-se erráticos em suas atividades.

Sinto-me saudosista dos meus primeiros tempos de blogueiro. Havia uma energia on line que raramente recupero agora.

Assim, examinando prós e contras, os ganhos e as perdas, encerro agora as atividades aqui. Aprendi o que eu podia aprender; escrever, revisar, publicar, verificar, tornaram-se tarefas que desviam meu tempo, já tão escasso.

Minha energia para escrever textos mais longos tem sido gasta nos cuidados com esta página. As perdas são hoje maiores do que os ganhos.

Agradeço a todos que compartilharam essa 'brincadeira séria' comigo. Obrigado pelos comentários, os recados, as perguntas, os pedidos, as cobranças. Vocês sabem dar real valor a uma amizade.

Em tom de despedida, acaba, aqui, o último post do PS do Yuri Almeida.

Foi divertido...

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Pessoas mozartianas

Mozart

Há duas semanas venho me embebedando de uma grande paixão: Mozart.

A música de Mozart sempre me cativou. Posso dizer que foi 'amor à primeira audição'.

Desde o princípio, fascinou-me a capacidade do compositor em transmitir qualidades tão impalpáveis como a elegância - sua música, filha legítima do classicismo do século XVIII, é francamente refinada - e emoções sempre bem-vindas como a alegria.

A alegria, em Mozart, é esfuziante e buliçosa; como uma criança traquinas a correr pelos cômodos de uma casa, porém vestida como um príncipe - combinação intrincada, esta, entusiasmo infantil & requinte - contudo, o compositor obtinha sucesso na mistura.

Há mais. À medida que eu, adolescente e depois jovem adulto, e depois um homem, ouvia e tornava a ouvir Mozart, ia descobrindo aos poucos as sutilezas mozartianas - o modo como o compositor do Concerto para Clarinete K 622 escondia, sob uma "forma" bem comportada, "canônica" no sentido clássico da palavra, as suas inovações e ousadias.

Muito me escapa, porque não sou especialista em música. Celebro, ainda, a ignorância de quem não sabe distinguir Haendel de Vivaldi ou Tchaikovski, nem de outro compositor cuja grafia do nome eu também vou errar. O que consigo captar, porém, deixa-me maravilhado. A propósito disto, me ocorreu uma nova qualificação para pessoas: mozartianas.

Não me refiro àqueles que amam sua música ou estudam-na. Fiquei pensando nas pessoas cuja beleza, seja física ou moral, não percebemos à primeira vista. Como composições de Mozart, temos de observá-las, ouvi-las, e mais de uma vez, e outra ainda.

Assim como a obra do gênio de Salzburgo só desvela aos poucos seus segredos, a beleza de certos indivíduos só pode ser percebida após um segundo, um terceiro olhar. Uma beleza sutil, humilde, preciosa; rara, ao contrário do "açúcar" excessivo encontrado em certas fisionomias.

A beleza moral, aquela que vem de virtudes pouco glamurosas - como a lealdade, a compassividade e a paciência - só pode ser compreendida, 'vista' devagar, na convivência do dia-a-dia, na passagem do tempo.

Uma beleza meio oculta, profunda, não exibicionista, discreta, como na literatura de um Henry James e na poesia de um Manuel Bandeira, por exemplo.

Tenho o privilégio de conhecer algumas pessoas mozartianas - algumas são meus amigos e amigas, pessoas cuja beleza interior só lentamente venho descobrindo e amando.

Este post é para elas. Meu muito obrigado!

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O escrever com o coração

Coração

"Você escreve com o coração"; alguém me disse. Fiquei me perguntando: como saber se estou escrevendo com o coração? Como saber se estou escrevendo o que quero escrever ou aquilo que os outros me convenceram a escrever?

Às vezes, quando leio o que escrevi, assalta-me o medo de estar vendo cada imagem com os olhos do outro, e não com os meus.

O temor de falsear a verdade, a minha verdade. Estarei vendo com os meus olhos e escrevendo de acordo? Não sei.

Ou quem sabe é apenas uma velhíssima questão me atormentando: o de aceitar meus outros eus. Aceitar minhas facetas; as que conheço bem, as que conheço mais ou menos, as que conheço pouco, e aquelas que temo conhecer.

Meus lados feios; as facetas horrendas. Disformes.

Escrever com o coração.

Mais só com o coração? Creio que não. Com a mente também. Busca, pesquisa de estilo, aprimoramento. Ler pela emoção e também pela técnica. Adotar o que me agrada; adaptar ao meu modo de escrever.

Exprimir sempre o que sinto e o que penso - eis a mente de novo - numa forma diferente, onde cada imagem possa falar por si, sem soar como gasta e sem parecer artificial. Fluindo. Como as sensações interiores para as quais usamos quilos de papel e ainda não sabemos descrever.

Estas devem fluir sem interferência do certo, do correto, do bem-escrever - que mata ou distorce a sensação.

Coração. Mente. E memória. O passado e as impressões dele, o momento que se esvai, os momentos felizes - há tantos!

Proust sabia que era difícil recuperá-los. Quem leu Em Busca do Tempo Perdido sabe do que estou falando: a memória é vaga, porém faz seu esforço.

Resta à intuição, aquele "eu-sinto-que" tão especial. Peculiar. O eu-sinto-que que nos diz o que fazer. O que escrever. Frases vêm, e quando as leio não sei como explicá-las. Não pensei objetivamente nelas, não as visualizei. Saiu. Melhor: fluiu. Cenas.

Achados felizes me vêm quando estou deitado, ouvindo música e só tentando dormir. As minhas pérolas de insônia: as que perdi, as que aproveitei depois num post, num dos raros poemas. Tantas.

Escrever com o coração: meloso, mas sincero. Com a mente: interessante, mas frio. Com a intuição: ininteligível. Preciso da emoção para aprofundar a idéia, do pensamento para dar forma ao que sinto.

Impossível escrever bem - o que é diferente de bem-escrever - sem a ajuda dos três. Há quem tente. Já li alguns. Os primeiros me fizeram chorar, contudo meu intelecto os despreza; os segundos me prenderam ao livro, porém não me conquistaram, faltava sentimento; os terceiros - esses eu li, reli, treli sem entender.

Uma sensação de burrice. Dão complexo na gente.

Os escritores intuitivos, ainda assim, me parecem melhores que os anteriores: conseguiram a coragem de olhar para dentro de si mesmo; nem sempre tive esta coragem.

Nem sempre tenho. E reconheço que é difícil - arriscado mesmo - vestir o que flui por dentro, pôr em ordem a sensação - muitas vezes esta se perde, ou perde em força, em verdade. A idéia é límpida, mas a tradução é a morte, complicada, adulteradora, mutiladora.

Os namorados sabem do que estou falando, eles que querem exprimir sua emoção um ao outro e só encontram as palavras de sempre.

Todavia, escrevo. Não posso fugir - e nem tenho vontade - a isto. Com o coração, com a mente, com a intuição. Ou tento. Estes se ajudam, sim, mas brigam entre si. Não gostam de partilhar o poder.

Reescrevo e reescrevo quando vejo que um deles sobrepujou os outros, luto, apago posts, risco uma palavra. E continuo.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O saber da tristeza

Yuri Almeida

No post que iniciou este blog deixei bem claro que jamais postaria algo estritamente particular. Menti.

Não é por culpa minha e também não estou reclamando. A verdade é que a alma não quer se ocupar com nada que não seja a sensação que estou sentindo.

Hoje, o cair da noite nasceu banhado pela tristeza; e eu não via a hora de chegar em casa para conversar um pouco com você, que sempre me lê.

Amanhã será um dia em que a sensação de perda será maior; e o que falta fará mais falta ainda. Pior, creio que isto seja apenas o começo.

Pode não ser agora, mas às vezes temos excesso de falta. Sabia?

A tristeza me fez saber que os filmes sempre acabam no final. E isto foi tão... Decepcionante.

Em mais uma daquelas frases doce-amargas; ou como uma agulha fininha atravessando o peito, alguém já disse que o tempo cura as feridas. Mas será mesmo?!

Não sei. O certo é que pode até curar, mas não pode apagar as lembranças...

E isto é tão verdade, tão verdade, que acaba por me integrar à natureza deslealmente humana: anos e anos depois, continuará tudo aqui. Sempre.

Resta agora uma longa caminhada para casa. Se será demorada; não sei. Talvez chegarei lá.

Há despedidas necessárias. Há separações imprescindíveis. Há dores libertadoras. Há partidas sem voltas. Mas há esperança sempre no meio do caminho.

É. Ainda resta a esperança. Sempre ela. Afinal, o que seria de nós se não fosse essa capacidade de sonhar e ter esperança naquilo que pode ser ideal?

O certo é que cansei dessa bobagem 'romântica' de que sentir amor por alguém é algo que não se pode combater. Que tocado por ele, não há como como se esquivar de um outro possível toque.

Mentira!

Amar é escolher. Está lá, no dicionário, um dos significados do verbo 'amar': 'escolher'.

Ser amado?! Ser amado é aceitar que se é amado. Simples! Pra que tanta rebeldia?

Agora, definir o amor. O amor?! Nunca mais!

Humanamente; quem poderia definir o amor? Quem poderia mapear todos os segredos do coração?

Ainda resta a poesia, mas acabam-se as ilusões.

De agora em diante, vou simplesmente escrever. Falar de coisas da vida, essa vida terrena, mais vivida, cotidiana, essa vida de sempre; e, talvez, ocasionalmente falar da vida sonhada, aquela ideal, planejada com perfeição nos mínimos detalhes e que queremos crer ser possível.

Se não na real, pelo menos na poesia, na frieza da letra que mata, na dor compartilhada - e por que não no riso?

Enfim, por hoje é só. A vida continua...

E a gente se vê por aí.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Da amizade


Tema nobre; Aristóteles disse que era "uma única alma habitando dois corpos". Em belíssima obra que leva o nome deste post, Cícero questiona se existe “algo mais belo do que ter alguém com quem se possa falar de todas as coisas como se falasse consigo mesmo”. Voltaire definiu-a como "contrato tácito entre duas pessoas sensíveis e virtuosas".
Na mitologia, a história dos gêmeos Castor e Pólux é das mais bonitas. Lutando sempre juntos, numa das batalhas Castor é morto. Pólux, atormentado, pede a Zeus que devolva ao irmão e amigo a sua vida.
Seu pedido é parcialmente aceito: os dois passaram a dividir a imortalidade de Pólux - seis meses no Olimpo, e seis meses no Hades, porém nunca ao mesmo tempo - de forma que jamais tornaram a se encontrar...
Entre outras, está também a amizade de Orestes e Pílades - que se evidencia no episódio em que, tendo este ido a Táurida, um costume bárbaro impunha sacrificar à deusa Artemis qualquer estrangeiro que visitasse a terra. A sacerdotisa Ifigênia teria dito que aceitava a morte de apenas um. E os dois amigos debateram, um oferecendo a vida pelo outro...
Se estas duas histórias da mitologia deixam explícitas a afeição mútua e a capacidade de auto-sacrifício, a narrativa bíblica sobre Noemi e sua nora Rute delineia-se outra virtude indissociável da amizade: a lealdade.
Rute permaneceu ao lado de Noemi em um dos poucos episódios onde se revelam os verdadeiros amigos: Noemi, desanimada com a morte dos filhos, com a pobreza e com a fome na região onde havia morado por anos, retorna à Israel na companhia da nora viúva que se recusou a abandoná-la.
Na narrativa, a declaração feita por Rute à Noemi é antológica: “Não me instes para que te deixe e me afaste de ti; porque, aonde quer que pousares à noite, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus.”
Porém, apesar de encontrarmos as características positivas da amizade - como a afeição mútua, a capacidade de auto-sacrifício e a lealdade - também é possível perceber, com a passagem dos anos, àquelas desagradáveis - à que Simon classificou como abuso.
De forma interessante, em relação à sua longa parceria com Art Garfunkel, depois desfeita, o músico Paul Simon disse: "Num sentido profundo, eu não gosto dele. E penso que ele também não gosta muito de mim. Fomos parceiros por muitos anos. Numa amizade assim, a sensação de familiaridade corre paralela à sensação de abuso".
Amigos abusam uns dos outros?
Num mundo perfeito, composto de indivíduos perfeitos, não. Só que não vivemos num mundo perfeito.
O abuso - a presença de atitudes abusadas, aquelas que esperam em excesso da amizade, seja através do desrespeito de um amigo por outro, seja através da exigência de algo constrangedor de um pelo outro - o que pode incluir atos ilegais ou moralmente questionáveis - mais cedo ou mais tarde surge em qualquer relação de amizade; pois embora nobre, a amizade brota entre criaturas imperfeitas.
E assim como pode esfriar ou desfazer um longo relacionamento, o abuso pode impedir que a amizade nasça entre duas pessoas.
Numa entrevista, John Lennon disse não saber definir o que era um amigo. Porém, mencionou uma pré-condição para o surgimento da amizade: que o amigo não fosse alguém que pudesse necessitar de nada vindo dele. Que não pudesse explorá-lo, financeira ou socialmente.
Concordo!
E o que dizer da amizade entre homens e mulheres? A relação amitié amoureuse - amizade mesclada com amor - tornaria impossível a amizade entre estes?
Há quem prefira tratar da amizade entre homens e mulheres como uma etapa inicial da relação amorosa.
Para estes, um homem e uma mulher que demonstram um pelo outro as características já apontadas - afeto mútuo, capacidade de auto-sacrifício, lealdade - estariam no caminho certo para um relacionamento de amor amadurecido, ao contrário daqueles casais que parecem reunidos tão somente pela paixão.
É uma tese romântica, certo; mas também preconceituosa, já que, segundo esta, não seria então possível amizade autêntica, que permanecesse amizade, valiosa por si mesma, entre homens e mulheres.
Particularmente, não acho que a amizade seja uma das etapas para a consolidação de um amor. Acredito mais na paixão que se transforma depois em amizade eterna, isto é, caso exista vontade de ambas as partes - porque a grande maioria das paixões dura o tempo exato de uma vela.
Gosto de pensar que a amizade exista pura e simplesmente pela amizade. Ou seja, não é necessário igualdade, claro que por mais diferentes que sejam as pessoas haverá pontos em comum.
Creio que o negócio é todo um processo. As pessoas, se diferentes, vão se tornando mais e mais iguais; amizades muito grandes não permitem dissociar um do outro. Porém, tudo acaba nessa vida; e os dois acabam se separando.
Talvez pela igualdade, pois o que é igual não traz mais novidade, e sem novidade as relações param. Não há conflito, e, diz Krishnamurti, sem conflito, todo relacionamento morre.
O certo é, ainda que em conflito – sim, em conflito! – a amizade, na sua mais bela acepção, pode crescer e desenvolver-se.
Somente quando se esquece e/ou se negligencia este elemento crucial, expondo-se ao risco de misturar à amizade o egoísmo, o desejo de posse, a dissimulação e a impaciência - todos estes sim, definitivamente, inimigos mortais da verdadeira amizade - esta deixará de ser genuína.