Pesquisa personalizada

sábado, 28 de novembro de 2009

A cegueira quanto ao valor da obra alheia e a falta de prudência na autocrítica

A história da literatura está repleta de episódios de cegueira crítica quanto à própria obra ou quanto a de outros colegas de Letras.

O caso de Franz Kafka é provavelmente o mais conhecido: ele nomeou seu amigo, Max Brod, como executor testamentário e ordenou-lhe que queimasse todos os seus escritos.

... Felizmente Brod não o obedeceu, ou nunca leríamos O Processo ou o emaranhado - também incompleto - que é América, cujo primeiro capítulo fôra o único fragmento do romance publicado por Kafka - A Metamorfose foi outra obra sua publicada em vida.

A propósito de Henry James, a cegueira crítica sobre si talvez seja a menos divulgada. Washington Square, uma de suas novelas de maior ironia amarga, com um estudo feminino de primeira linha - e um desfecho de fina literatura, foi sempre por ele considerada um trabalho medíocre, "superficial", sem todas as "infra" e "entre" leituras de que James tanto gostava e nas quais se esmerava.

... Washington Square foi mais tarde transposta para o teatro, A Herdeira, e levada ao cinema nos anos de 1950: The Heiress - no Brasil, chamou-se Tarde Demais, com Olivia De Havilland e Montgomery Clift, sempre com boa acolhida de público e de crítica. Cegueira, cegueira...

Outro: anos e anos atrás, numa entrevista à Ziraldo, o poeta João Cabral de Melo Neto declarou não ver todo esse valor - afirmado pelo próprio Ziraldo - em Morte e Vida Severina, o seu poema longo mais celebrado. Julgava que "reescrevera-o muito pouco".

Há também os casos de cegueira quanto ao valor da obra alheia. Quantos desastres...

André Gide não percebeu a grandeza de Marcel Proust; tendo recusado a primeira parte dos originais daquilo que se tornaria o magistral Em Busca do Tempo Perdido - consta que Gide mais tarde reconheceu seu erro.

Virginia Woolf leu - ou tentou ler - Ulisses, de James Joyce, e considerou-o "vulgar, mal escrito". Ela nunca deixou de ser - apesar de supor o contrário às vezes - uma "aristocrata literária", e jamais poderia ver com bons olhos um romance que, mal se inicia, coloca sua personagem às voltas com problemas de constipação de ventre. Muito "vulgar", para ela...

Ernest Hemingway teria dito que Fiódor Dostoiévski escrevia mal; se isto é verdade?! Não morro de amores por Hemingway, ao contrário, porém declarar uma heresia destas parece-me demais até para ele...

... Enfim, quando comecei a ler o pequeno estudo sobre Gustave Flaubert escrito por Henry James, e li este dizendo que Bouvard e Pécuchet não era uma grande obra do romancista francês, tratando-a quase que como um "engano", quando é justo este romance inacabado que me fez admirar Flaubert - e não o festejado Madame Bovary, tive de admitir que até os mestres como Henry James podem errar.

Num artigo seu de quase 20 anos atrás, Joyce Carol Oates chamou os escritores profissionais de "os piores críticos do mundo"; é verdade que, nele, ela só abordou a incapacidade de autocrítica da categoria. Contudo, a cegueira quanto ao valor da obra alheia, dependendo das circunstâncias, pode gerar grande mal. André Gide, como editor, vetou Proust; felizmente este último encontrou editores depois. E se não tivesse achado?!

Para contrabalançar - e animar - existe a história inversa: talentos solitários, desconhecidos, desacreditados, nos quais alguém - outro escritor - acreditou. É sabido o apoio que Ezra Pound deu a James Joyce e T.S. Eliot; o elogio do já consagrado Ralph Waldo Emerson à obra Folhas de Relva, do então desconhecido Walt Whitman. Ou a carta breve porém calorosa de Monteiro Lobato a Bernardo Élis pelo seu primeiro livro, Ermos e Gerais.

... E é bonito lembrar que o aparentemente sisudo Flaubert recebia as visitas de um jovem Guy de Maupassant, lendo seus textos e dando-lhe conselhos; escrevendo-lhe e considerando-o seu discípulo.

Escritores deveriam se esforçar em nome da prudência e em ouvirem vozes estranhas às deles; o nosso modo de escrever não é o único modo de escrever. E, acreditem os escritores, já existe conspiração demais neste mundo contra a literatura.

domingo, 22 de novembro de 2009

Guia de Resistência

Dogmas:

1. Este é um mundo medíocre. Não se engane: existe uma conspiração para transformar cada um de nós numa pessoa medíocre, ou seja, numa pessoa que se conforma ao mundo.

2. Existiram pessoas não medíocres - não medíocre = contestadoras; a Maior delas foi pregada numa cruz; outras foram maltratadas, perseguidas e desvalorizadas em vida - Vincent Van Gogh, Soren Kierkegaard, Friedrich Nietzsche, Mme. Jeanne Guyon, W. A. Mozart, Fernando Pessoa... Os contestadores - contestadores = não medíocres - bem sucedidos são poucos. O mundo não gosta dos que tentam estar acima dele.

3. Fama não é sinônimo de não mediocridade. Pode ocorrer o contrário. Vide o BBB. A fama pode enganar o não medíocre para que, cedendo à vaidade, se torne medíocre.

4. Contestar não é sinônimo de não mediocridade. Existem aqueles que vestem a capa da contestação e ganham muito dinheiro com isto. Observe a pessoa. O discurso dela pode soar contestador, mas... Enfim: observe. Há exceções, é claro.

Imperativo: Resista.

Recomendações:

1. Leia. Leia muito. Não só o que é fácil. Dê preferência aos escritores que viveram há pelo menos 100 anos antes de você. Os contemporâneos estão próximos demais para uma avaliação justa.

2. Veja filmes. Os antigos, em especial. Muito do que é considerado "inovador" ou "inusitado" já foi feito há 40, 50 anos, ou mais.

3. Visite galerias de arte. Museus. Se não for possível, explore outras possibilidades: livros reproduzindo os grandes pintores; sites... Olhe. Estude. Não tenha pressa. Deixe cada tela falar com você.

4. Seja maluco ou maluca: dance sozinho - ou sozinha.

5. Ouça música, a popular e a erudita. Preste atenção aos instrumentos utilizados, às mudanças de ritmo, às letras - quando houver, claro.

6. "Filosofia" significa, na origem, "amor à sabedoria". Reflita sobre isto. Ética e Estética não são luxos: tomar decisões, comportar-se no vendaval diário, e apreciar a Beleza sob as mais variadas formas, são prioridades.

7. Creia em Jesus Cristo, Filho do Deus Vivo. Para conhecê-Lo, vá à fonte - Bíblia. Como diria C. S. Lewis: "esqueça tudo o que você ouviu. Descubra por si mesmo".

8. Procure outras pessoas que ajudem você e a quem você possa ajudar, para que resistam juntas.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O orkut e nossa curiosidade sobre o outro

Curioso

De uns tempos pra cá, ando estudando uma ferramenta da rede social Orkut, que denuncia quem visitou mais recentemente o nosso perfil - e que denuncia a nossa visita, em perfis de outros usuários, também.

Em conclusão, tenho que a idéia da ferramenta espiã é de nos incitar a ir ao perfil do outro. Conhecê-lo. Ante esta idéia, fiquei pensando: por que temos toda essa curiosidade sobre o outro?

Vendo pelo lado positivo, penso que é a ânsia de conhecermos uma pessoa que provoca isso. Afinal, não é outra a razão porque lemos biografias e reportagens sobre este ou aquele indivíduo, assistimos entrevistas com fulano e sicrano.

Vejo como positivo aqui esse desejo de conhecermos, de "desvendarmos" uma pessoa que admiramos ou estimamos - ver os seus outros lados. Aqueles que ela não mostra para nós, por pudor ou por falta de oportunidade, porque o contexto não é compatível, ou - será este o nosso temor secreto, a raiz mais profunda da nossa ânsia? - porque não inspiramos confiança para que ela se revele a nós.

Saber o que ela pensa sobre isto e aquilo. Conhecê-la. Essa vontade pode criar no mundo virtual uma premência ímpar, já que tudo o que tocamos do outro são palavras, e idéias que expressa por meio delas.

Ficamos diante de um texto - na blogosfera é comum - e pensamos: "Quem é esta pessoa?" E, se o texto nos fascina, a pessoa atrás dele passa a nos fascinar também.

Não que isso não acontecesse no passado. A internet apenas deu roupagem nova a fomes/desejos antigos, trazendo a excitante possibilidade do feedback instantâneo.

O extremo oposto é o lado negro. Obsessão com o outro. Ciúme doentio. Desejo de controlar, e de vigiar. Daí, o Estado Policial - não , não vou falar de política. E o fato de alguns sentirem suas vidas tão pobres e desinteressantes que precisam ficar assistindo a vida alheia (BBB e similares).

Pode ser que nem sempre seja assim; pode ser. Conheço pessoas encantadoras que veem (argh!) essas coisas. Uma delas disse-me que assistir pode ser viciante. Possivelmente é. Mas talvez ainda não seja tão perigoso como quando nos viciamos nas pessoas menos distantes, querendo tudo delas, sufocando-as, espionando-as pelos recados dos orkuts da vida com o intuito de brigar, comprovar infidelidades; perseguir como "fãs" - alguém viu o filme O Fã: Obsessão Cega? Pois é.

Julgo que o sentimento de curiosidade, o anseio de conhecer, não é mau em si. A maioria dos nossos sentimentos não o é. Contudo, tem seu aspecto perigoso, sombrio, deturpável.

domingo, 8 de novembro de 2009

Jonas e o Fariseu - e nós cristãos

Jonas foi um profeta que, encarregado por Deus de ir pregar na ímpia cidade de Nínive, fugiu a isto; acabou na barriga de um grande peixe.

Salvo por Deus, Jonas foi para Nínive, pregou a futura destruição da cidade, e esta se arrependeu da sua pecaminosidade - o que muito desagradou a Jonas, que se recusava a ir a Nínive justo por isto.

No grande momento do capítulo 4, Jonas diz a Deus que sabia que isto aconteceria e por esta razão se negava a pregar - pois a cidade se converteria e Deus os perdoaria.

"(...) Pois sabia que és Deus compassivo e misericordioso, longânimo e grande em benignidade, e que te arrependes do mal", disse Jonas; chegando ao cúmulo de pedir que Deus lhe tirasse a vida.

Sim. Jonas prefere morrer a ver aquele povo pecador perdoado e salvo por Deus.

Absurdo? Chocante?

Na parábola narrada por Jesus em Lucas 18, dois homens vão orar no templo: um, fariseu - seita rigorosíssima do Judaísmo; o outro, publicano - coletor de impostos, classe quase sempre corrupta e em geral desprezada pela gente honesta daquela sociedade.

Enquanto oram, o fariseu gaba-se de suas virtudes diante de Deus; aproveitando para criticar seu companheiro: "pois não sou como esse publicano", disse ele.

O publicano, envergonhado nesse momento em que fala com Deus, nem ergue a cabeça: só suplica por misericórdia para si. Jesus conclui a história dizendo: Digo-lhes que o publicano desceu justificado para a sua casa, e o fariseu, não.

O que há em comum nessas duas histórias - nesses dois personagens, Jonas e o Fariseu?

Jonas era um servo de Deus. Foi rebelde com Ele porque, na sua visão, os ninivitas não mereciam ser salvos - e ele sabia que, arrependendo-se eles, o Deus a quem servia os perdoaria.

O fariseu congratula-se consigo mesmo por ser tão virtuoso. Começa a orar agradecendo a Deus, porém depressa passa ao auto-elogio e à crítica do seu próximo, o publicano.

Nas suas palavras de agradecimento a Deus, o fariseu deixa entrever que sua concepção de Deus é reducionista: ele O vê semelhante a si próprio, valorizando as mesmas coisas e desprezando as mesmas coisas - e pessoas.

Jonas conhece o coração de Deus, por isto sua revolta. O fariseu faz Deus à sua imagem e semelhança.

Qual deles é o pior?

Temos "Jonas" na igreja - cristãos que não querem partilhar o Senhor com os outros; que julgam-se os únicos dignos de Deus - como se o grande mandamento do evangelho não fosse justo o contrário: boas novas para os totalmente indignos.

Temos fariseus também - cristãos que se congratulam por sua frequência aos cultos; por sua fidelidade nos dízimos e ofertas; por sua vida impoluta. Que desprezam o pecador, e que acreditam estar Deus tão contente com eles, fariseus, quanto eles mesmos estão; que acreditam que Deus joga pelas mesmas regras que eles, desprezando outros seres humanos que bem longe se acham da perfeição.

Ao final, resta-me uma última pergunta:

Crente Jonas ou crente fariseu, qual deles você é?

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Da desculpa de que a carne é fraca

Desde criança - e mais ainda após convertido em Cristo, sempre ouvi pessoas e mais pessoas fugindo de seus erros, utilizando-se da risível desculpa de que "a carne é fraca".

Nunca percebi o porquê de se dizer isto. Afinal, que culpa tem a carne das nossas fraquezas?

Fracos somos nós - e mentirosos!

Enfraquecemos quando não sabemos o que queremos. Esta é a verdade!

E o que mais me assusta em tudo isso é que a grande maioria de nós não só se utiliza dessa desculpa, como também a aceita.

Sim... Nós!

Acredito que, quando se sabe o que se quer, não há carne que nos faça cometer erro algum e, melhor analisando, suponho que essa expressão tenha vulgarmente nascido como desculpa para o pecado sexual.

Verdade seja dita: quem, num momento ou noutro, não sentiu uma atração e tentou algo com a colega de trabalho; com a professora; com a vizinha do lado; com a namorada ou mãe do melhor amigo; com a namorada do pai; como a amiga ou namorada do irmão... Isto para os homens; para as mulheres, basta que se mude o gênero...

... Sei lá, aparecem em nossa vida tantas pessoas com "bom aspecto", que acabamos olhando para estas, e pensamos: "eu até comia!" – carne!

Então não temos o direito de sentir atração e tentar algo com o outro, Yuri? Sim. É claro que temos!

Evidentemente, essa parte de nós está sempre viva... Ela é natural; física e cientificamente provada que acontece a todos!

Agora, dizer que a carne é fraca, quando na verdade o que se passa é em outro nível, isto é que não!

Na verdade, dizer que "a carne é fraca" não serve como desculpa para nada de nada!

A carne não se entrega, não se envolve, não se partilha. A carne se come. E enquanto se come, dá prazer - ou não! E depois... Depois levantamos da mesa e vamos embora.

É como ir a um restaurante comer e voltar para casa, perguntar à sua esposa o que se tem para o jantar, e comer novamente. Comer, gostar, adormecer feliz com a última refeição... E nem sequer pensar na refeição do restaurante!

Sim, Yuri, mas e quando há o gostar; o querer... E quando há toque de e no espírito?

Respondo: uma coisa é carne, outra coisa é espírito!

O espírito envolve muita coisa. Ahhhhhhhh, o espírito! O espírito é onde se guarda toda a nossa essência. O nosso ser. As nossas emoções. É o que chamamos de alma. E o pior – que é inteiramente diferente do que se está discutindo aqui, o espírito é onde se guarda as pessoas com quem estamos emocionalmente envolvidos.

Não aceito que me venham dizer que um envolvimento emocional, por exemplo, o querer estar nos braços de outra pessoa; o querer olhar nos olhos do outro; partilhar um por de sol ou um momento de silêncio; o querer tocar levemente nas mãos do outro; o sentir o coração a palpitar durante um abraço; o sentir borboletas no estômago quando os olhares se cruzam, seja carne.

O espírito pressupõe uma entrega verdadeira e honesta do nosso eu! Não há "baralhação" possível a estas duas situações. Não há como baralhar!

Um leva-nos a fazer sexo, outro leva-nos a fazer amor - ainda que não haja sexo!

Obviamente que a entrega de espírito pode nos levar também a entregar o corpo, mas isto é um pormenor que deixa de ter importância. Afinal, quando o espírito for entregue, o corpo também será...

E o que há de mais penoso em tudo isso é quando nos utilizamos dessa expressão para nos desculpar de uma traição. Entendo que nesta situação não se deve pedir desculpas, mas a compreensão. É aceitar... Ou não!

Ora, por favor! Isso não é ter a carne fraca. Isso é ter um compromisso fraco!

Digo convicto que somos nós que mandamos no nosso corpo, portanto podemos perfeitamente controlá-lo! Eu, Yuri Almeida, erro porque eu quero – carne, novamente!

Ante tudo isso, surge-me uma pergunta: o que é que custa mais a perdoar afinal, uma traição de corpo, ou uma traição de espírito?

Outra... Seria um pedido de desculpas de uma traição, sincero? Ou o amor é um sentimento que perdoa a culpa?