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sábado, 31 de janeiro de 2009

Da leitura com prazer: chaves para a literatura

livros

Uma chave é um instrumento que utilizamos para abrir algo - uma fechadura, uma porta secreta; é também o princípio. A explicação de problemas ou charadas.

Na literatura, existem obras tão desafiadoras para a compreensão do leitor que o conhecimento de uma chave faz-se necessário. Exemplo claro é Ulisses de James Joyce, em que o próprio romancista fornece um "roteiro-chave" nas folhas finais do romance imenso - uma espécie de decifrador das partes/episódios de que o romance é composto.

Existem chaves gerais, contudo. Ou - poderíamos dizer - chaves parciais. Estas "abrem" as obras até determinado ponto, ou nível, ou ângulo.

Alguns chamam essas chaves de métodos de leitura; outros, de hermenêutica - interpretação; outros ainda, de abordagens para crítica da obra literária. Se o objetivo for uma melhor compreensão, fruição da literatura, nada melhor.

Se, porém, o olhar do leitor se torna o do dissecador, perde-se o prazer - e literatura deve ser prazer. Qualquer instrumento de análise deveria aumentar nosso deleite com a leitura; e, não, secar ou reduzir esse deleite.

Literatura é prazer. O mergulho vertiginoso da leitura é experiência intransferível.

Quando lemos O Processo, relacionamo-nos com a vida de Kafka; quando Os Possessos, com a vida de Dostoievski; Ao Farol e relacionamo-nos com a vida de Virginia Woolf. Há centenas de exemplos para chave autobiográfica.

Na chave estrutural, podemos ler o texto; ao tempo que nos fazendo estas perguntas: Como o romance é organizado / montado? Há excesso de descrições, de diálogos? Como são desenvolvidos? Saco de Ossos de Stephen King e Os Trabalhadores do Mar de Victor Hugo fornecem bom material para a aplicação dessa chave.

Vale ressaltar que estas duas chaves são minhas. O leitor deve criar a sua.

Lendo Guimarães Rosa, por exemplo, o leitor encontra palavras que nunca ouviu falar, uma linguagem criada pelo próprio Guimarães Rosa, mas que é prazeroso descobrir o significado. Esta seria a chave.

Enfim, bem apanhadas todas as chaves, sigamos nessa nossa paixão do texto.

Este é o prazer da literatura. O dito prazer do texto; que pode não ser impeditivo de certa razão da leitura.

O que não podemos é cair no racionalismo que tudo pode e deixar a emoção do texto de lado.

Penso que, em geral, são as obras "antigas" que exigem de nós a descoberta dessas chaves.

Conhecer a época em que foi produzido um determinado trabalho literário, o pensamento sócio-político-cultural, além de outras curiosidades que podem auxiliar na compreensão do leitor.

Quanto mais distinta de nós é a cultura que produziu uma determinada obra, mais difícil será lê-la aproveitando todo o seu potencial - a Divina Comédia de Dante é excelente exemplo.

O desconhecimento dessas coisas "básicas" dificulta, e muito, o prazer da leitura. Afinal, que prazer há em não entender o que se lê?

domingo, 18 de janeiro de 2009

A gente ama?

Amor

"Ainda não amava e já gostava de amar".

O verso de Agostinho amplia-se em mim; ganhando ressonância enquanto me pergunto: a gente ama?

A gente ama.

Ama com mão estendida - que não seja súplica; ama com a mão cerrada - os dedos avermelham-se na pressão, na entrega não-entrega que é no fundo.

Ama com fogos de artifício; com pudor silencioso. Ama com o olhar - porém a mão se ergue e toca.

Ama com a boca que não acerta o caminho, bobo-trêmula como é. Ama ‘pensadamente’, racionalmente - amar é decisão, disse-me uma amiga - e ama sem se estar pronto; deixou um momentinho de olhar e está ali, dominou-nos.

A gente ama suspirando e aos gritos. Ama de um amor tão quieto, silente, envergonhado, que precisa de outros nomes e não este: amor.

Ama na maior cara-de-pau, audácia; ousadia onde o ato de amar é já atrevimento inquestionável.

A gente ama de um amor que descobre a alegria: nada de lágrimas, só festa. A gente festeja o amor que se sente.

Ôpa! Espera aí!

Não. Não. Amor não se sente. Amor é cabeça, ou corpo, nada de coração. Amor-sentido seria doído demais.

Você resolve. Você faz; ou resolve e faz. Sentir complica; que o sentir é pai da tristeza.

A gente ama.

Ama de um amor sem nome que teima em não se acomodar dentro de uma das gavetas classificatórias. Amor. Porque está ali. Euforia & riso. Destemor. Porque mudamos e o amor que nos preenche muda em nós, faz o que não fazia. A gente muda. O amor não muda. Pode mudar as suas formas, e não ele mesmo.

Ele é e nós passamos por ele. Ele é farol.

Tirando as mirabolantes curvas exegéticas de 1 Cor 13, uma pergunta feita por Cecília se torna o texto mais bonito sobre o amor; ela pergunta: “que é que amo quando te amo?”.

Se eu amo? Não sei o nome disto. Seja então amor.

sábado, 17 de janeiro de 2009

A cultura do imediatismo e a mediocridade

Relógio da vida

Em algum ponto do século XX começa a cultura do imediatismo. Nada de investimentos a longo prazo; nada de espera. Queremos isto e aquilo. E queremos agora!

Aliás, talvez não tenha começado aí. Talvez esta cultura esteve sempre presente como parte da nossa natureza caída.

Bom, o certo é que queremos tudo agora. Já!

Vivemos ansiosos; aos pedaços. Não desfrutamos do presente - ansiosos pelo que vai acontecer ou se lamentando pelo que deixou de acontecer.

Na cultura do imediatismo, esquecemos do presente; o imediato quer o que não tem. E quando isso chega, já não basta. Já está se preocupado com o novo.

Um paradoxo bem interessante disto tudo são as compras a prazo. Você compra a prazo para ter o produto naquele momento. Interessante, não?!

E é da cultura do imediatismo que nasce a promiscuidade. Afinal, quem quer investir meses, anos, num relacionamento?

Se não nos satisfaz, trocamos de produto. Simples.

Um parêntese: não endosso casamentos infelizes "para sempre". E não acredito que todo divórcio é errado. Acredito, sim, que é o mal menor em certas situações. Porém deveria ser o último remédio, não o primeiro.

Como cidadãos da cultura imediatista, somos encharcados por ela, envolvidos nela, habituados nela - em suas preferências, decisões, antipatias.

'Compromisso' não é palavra simpática. 'Investimento' só se refere a dinheiro. 'Estudos' tem relação com diplomas e status, não com adquirir conhecimento - posto que conhecimento despenderia tempo.

Onde nos leva isso? Àquilo que o imediatismo traz em seu bojo, o resultado natural da pressa: mediocridade.

Relacionamentos medíocres, arte medíocre, conversas medíocres. Fala-se de doenças, da vida alheia, de 'celebridades', do que se comprou, dos elevadores enguiçados, das filas, da vida alheia de novo.

As conversas com qualidade, os relacionamentos com qualidade - e não só funcionais ou confortáveis - a arte com qualidade, tornam-se artigos de luxo; raros.

Quando aspiramos ir além numa conversa, somos estranhos, esquisitos, malucos, incompreensíveis.

Quando aspiramos ir além num relacionamento, somos complicados, minuciosos, até mesmo chatos.

Quando aspiramos por criar e desfrutar arte superior, ir além do descartável, somos esnobes, excêntricos e ligeiramente desprezíveis.

E o que fazemos? Não nos encaixamos. Resistimos ao molde. E isto nos faz impopulares.

O que me parece trágico em tudo isso é que nem o notamos mais. Imediatistas, desembocamos na mediocridade, acabando insatisfeitos, porém sem o confessarmos.

Talvez, a cultura do imediatismo tenha relação com a tecnologia. Melhor explicando: com o excesso de tudo que temos hoje e que jamais conseguiremos consumir.

Milhões de livros, filmes, discos - muitas vezes gratuítos.

A urgência é apenas em decorrência do excesso. Temos que ler logo, pois há uma fila enorme de livros a nossa espera.

Isto deveria trazer uma paz e não uma guerra interna. Eu por exemplo não leio bons livros, só leio os ótimos. E dentre os ótimos, escolho os que vou mais com a cara.

Há também o fato de que a principal causa dessa eterna insatisfação seja falta de Deus - ou a transcendência desviada, como diria Girard, pois Ele é o permanente nesse turbilhão de coisas passageiras.

Algo está errado. Resta-nos não cedermos. Mas seria possível?

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Leia poesia!

À minha esquerda, um grupo falava sobre o final da novela 'A Favorita'. À direita, duas pretensas amigas celebravam sua amizade criticando uma terceira que não estava presente.

Pouco atrás de mim, dois sujeitos conversavam sobre fotos de perfis alheios, vistas no Orkut.

Não muito distante, enquanto comprava frutas, uma mulher enumerava para outra uma lista de doenças que soava interminável, com direito a sintomas, nomes e preços dos remédios, o que dissera o médico e quando será a próxima consulta.

À frente, outro grupo discutia sobre A Bolha. Nesta, cheguei a me aproximar - imaginando se tratar do filme de Irvin Shortess Yeaworth Jr., A Bolha, um dos grandes clássicos cults de todos os tempos.

Nada. O assunto discutido era algo em torno do bbb9; Sim, bbb9. Esse lixo massificado e embalado para ser enfiado no seu … Olho.

Já sufocado, olhei para a lua e para as nuvens que já formavam chuva, e o desejo que tive - e o único que eu poderia - foi perguntar bem alto: 'Por que vocês não lêem poesia? Escutem, por que vocês não pegam um bom livro, um romance de preferência, e não se sentam em algum canto para ler?'

Hoje estou irritado!

Enoja-me que as pessoas se contentem com tão pouco, com um mundo tão estreitinho, tão miudinho, medíocre, vil, reles, ordinário. Que possam encontrar prazer ou objetivo em viver assim, dia após dia.

Então, leitores, digo a vocês: Procurem ler poesia. Procurem ler alguma coisa, por favor!

E, por favor, por favor, que não seja o jornal, com suas manchetes escândalosas, tendênciosas, malandras; onde política e economia e mesquinhez imperam, com ares de importância.

Apanhe um bom livro - certas bancas de jornal até vendem alguns - e ponha-se a ler algo de fato relevante, algo que continuará a ter valor dentro de 100, 200, 500 anos ou mais.

Uma (boa) banca de jornais pode vender Shakespeare (Hamlet, Romeu e Julieta), Pablo Neruda (Cem sonetos de amor), Esopo (Fábulas), Omar Khayyam (Rubaiyat), Daniel Defoe (Robinson Crusoe, Contos de Fantasmas), Edgar Allan Poe (Histórias Extraordinárias), Conan Doyle (O cão dos Baskervilles)... Nenhum dos quais é perda de tempo, ao contrário: ler significa expandir o tempo - porque expande nossa mente.

Ao invés de deter-se falando bobagem, de desperdiçar tempo lendo bobagem, faça a si mesmo esse favor: Leia poesia! Povoe-se de versos, leia em voz alta (no banheiro mesmo, se faltar opção. Não tem problema! )

Gotas de Drummond, goles de Álvares de Azevedo, alguns litros de Bandeira, quem sabe quanto de Fernando Pessoa. Embebeda-te, leitor!

Sinta os versos rolarem, passarem por sua boca - deslizando e escorrendo pelos lábios.

O amor, quando se revela,/ Não se sabe revelar/ Sabe bem olhar p'ra ela/ Mas não lhe sabe falar...

Ou ainda: Uns tomam éter, outros cocaína./ Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria...

E também: Gastei uma hora pensando num verso/ que a pena não quer escrever. / No entanto, ele está cá dentro, inquieto e vivo...

Quem se inunda de tudo isso não poderá e não agüentará ser medíocre, limitado, banal. Quem se alimenta disso, amplia o mundo dentro de si, mundo que passa a carregar consigo. O mundo dentro de nós é que é real, porque é ele, em última análise, que nos dá o poder de enfrentar o mundo fora de nós com esperança, com amor, e com coragem.

O mundo dentro de nós é dádiva divina, Graça comum aos que crêem e aos incrédulos.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Pela Contra-Reforma: não ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

No dia 29 de setembro de 2008, durante sessão solene em comemoração ao centenário do falecimento de Machado de Assis, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assassinou o povo letrado de seu país, determinando, em Decreto, a implementação do famigerado Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.

A nova ortografia entrou em vigor no Brasil no dia 1º de janeiro, deste, mas a ortografia atual continuará válida até o dia 31 de dezembro de 2012.

Como única defesa, o sentimento de unidade é o grande motivador dessa Reforma. Agora, o registro escrito do Brasil vai igualar-se com a dos outros sete países: Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e Portugal; cujo idioma oficial é o português.

Todavia, essa tentativa de uniformização da Língua Portuguesa vai de encontro à marcha evolutiva natural que toda língua manifesta. Pois, o Português brasileiro vem a ser bem diferente do de Moçambique, que por sua vez o é do de São Tomé e Príncipe, e entre os restantes países lusófonos com relação um ao outro.

A meu ver, é uma lástima vergonhosa simplesmente defenestrarmos séculos de evolução de nossa língua pátria juntamente com a nossa identidade nacional.

Fora que - muito diferente do que grande parte já defende - a mudança ortográfica não facilitará a vida de alguém que não sabe escrever. Ignorância se cura com aprendizado.

Está claro que a queda do trema nos hiatos átonos, a extinção do acento em ditongos, ou se a palavra que tinha hífen deixa de tê-lo não facilitará substancialmente o aprendizado da língua. O que faz uma língua ser "culta e bela" não é a mudança de regras em si, é sim o quanto se fala e escreve brilhantemente com ela.

O Saramago pediu que, a essa altura da vida, não o importunassem com novas regras. Não sou tão velho quanto ele e nem tão talentoso, mas digo a mesma coisa.

Antes eu propunha a Campanha Nacional da Boçalização. Proponho agora a Contra-Reforma: que todos não mudem a escrita, que todos continuem a escrever sem mudanças.

Vale lembrar, também, que, independentemente de saber se a nova ortografia é linguisticamente melhor, ou se há vantagens políticas numa ortografia unificada com o Brasil e os outros países lusófonos, a questão fundamental não parece ter sido discutida.

Na verdade, a grande discussão seria: até que ponto faz sentido legislar sobre a língua?

Há três questões quanto ao Acordo Ortográfico que importa distinguir:

O primeiro é que um acordo ortográfico feito num país é inteiramente distinto de um acordo ortográfico que visa unificar as ortografias de diferentes países. Posto isto, há três razões contra a pretensa unificação ortográfica da língua portuguesa:

Primeiro: não há harmonia ortográfica nos países de língua inglesa, francesa ou espanhola;

Segundo: o acordo não unifica as ortografias, pois os portugueses continuariam a escrever "facto" e "género", e os brasileiros "fato" e "gênero";

Terceiro: mesmo que unificasse a ortografia, o acordo não unificaria o léxico, a sintaxe ou a semântica. No Brasil os autocarros chamam-se "ônibus" e os comboios "trens", e muitas mais variações semânticas existirão, e ainda bem, no português cabo-verdiano, angolano etc.

Em conclusão, o acordo pretende-se unificador, mas nada unifica.

A segunda questão é a mais importante: legislar sobre a ortografia é uma mania centralista inaceitável. A ortografia deve ser abertamente coordenada por todos os que a usam, como acontece com o léxico, a fonética, a gramática, a sintaxe e a semântica, e não por algumas pessoas que se outorgam o direito legislar sobre ela.

Onde não é preciso legislação deve-se fazer silêncio legislativo. Os angolanos sabem decidir como querem escrever as suas palavras, que são também nossas, assim como os brasileiros ou os portugueses, sem qualquer necessidade de legislação.

A terceira questão é saber se valeria a pena uma reforma ortográfica na Língua Portuguesa, independentemente de ser unificadora ou não. Esta questão depende da segunda. Há a tendência antidemocrática para pensar que reformar a ortografia equivale a legislar sobre a ortografia. Isto é falso. Introduziram-se muitas palavras recentemente no léxico português sem qualquer necessidade de legislação, como "lóbi", "dossiê" ou "robô".

Se a ortografia precisar de reforma, esta surgirá naturalmente nos dicionários, livros, gramáticas e jornais. Se não precisamos da força da Lei para passar a escrever "dossiê" em vez de dossier, também não precisamos dela para passar a escrever "voo" em vez de "vôo".

Felizmente, não é hoje possível mudar artificialmente a ortografia. Esse gênero de idiotice era possível quando só dez por cento da população sabia ler, e ainda menos escrevia regularmente, quando havia apenas cinco jornais, cuidadosamente vigiados pelo Estado, quando não havia internet e quando se publicava por ano o mesmo número de livros que se publica hoje num mês.

O acordo foi ratificado pelo Brasil, mas ninguém o usa nem vai usar. Tal como a última reforma ortográfica alemã caiu em saco roto, também qualquer reforma ortográfica portuguesa será pura e simplesmente ignorada pela maior parte das pessoas que publicam livros, artigos, romances, contos, poemas e idéias na internet, nos jornais, nos livros acadêmicos, escolares ou populares.

E por falar em internet, acuso que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa ainda não avisou à Microsoft sobre o Acordo Ortográfico. Tentei desautomatizar a colocação dos acentos e do trema, mas o corretor ortográfico do Word ainda não foi atualizado.

E isso faz com que meu primeiro texto do ano seja escrito de forma incorreta, tal qual escreve o presidente citado acima, que assinou o tal decreto.

Quer dizer; caso esse analfabeto saiba escrever algo, claro.