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domingo, 5 de julho de 2009

Poliglotas de nossa própria língua

Essa nossa língua portuguesa é realmente um "show" de preciosidades. Eu tinha acabado de ler uma reportagem antiga, na revista Veja, sobre o embate entre o anterior português e o atual, lusco, sobre o "falar direito", quando toca o interfone.

Do outro lado, uma voz, em melancólico, pedindo; "Sr., tenho passado por muitas dificuldades. O Sr. me daria uma ajuda?"

Ainda sob o influxo da reportagem, fui colhido de surpresa. Sério.

Há tempos não ouvia um português tão culto, com emprego do verbo num modo misto de presente contínuo - a pobreza continuada - e o passado - não só pelo verbo passar, mas pelo emprego da clássica forma composta para "evitar" o uso do gerúndio proscrito na fala culta, tive de deferir o pedido.

Quem sabe, polidamente, na dúvida se eu sou, à essa altura, portador de SPC - síndrome de pobreza cultural. E humildemente o reconheço, posto que a demonstração disto seja o fato de eu não ter encontrado uma outra de nominar, no português culto, o "show".

A lingua é realmente inculta e bela. Não dá para não repetir o poeta. Somos poliglotas de nossa própria língua.

Tenho pena dos vestibulandos, pois na redação que prestam em seu processo de aprovação, eles se obrigam a fazê-lo com o uso do "português culto".

Eles, portanto, têm que saber "falar direito" para "escrever direito".

E, nestas circunstâncias, claro, ficam impedidos de se arriscar no uso melódico de frases que necessitam dos pronomes "tu" e "você".

Se o misturarem num mesmo texto, estão, literalmente, "no sal".

Me vem aquela reclamação de Monteiro Lobato, em suas cartas trocadas com Godofredo Rangel, quando se refere ao maniqueísmo das gramáticas. Nelas, as cartas, ele proclama sua liberdade de falar num linguajar coloquial: "eu não fiscalizo gramaticalmente minhas frases". E sentenciou, "da gramática eu sou a personificação da ignorância".

O fato é que, se Monteiro Lobato fosse prestar um vestibular hoje, estaria sujeito a ser reprovado. Veja o absurdo a que chegamos. Por outro lado, não teríamos a exuberante liberdade que ele distribui à criançada, com suas estórias, a ponto de permitir - com o protesto dos católicos - o batismo de um rinoceronte por uma boneca de pano fazedora de traquinagens, com o exemplo mais contundente da "arbitrariedade do signo", de Saussure.

Se temos um Brasil criativo hoje, muito devemos a Lobato, pois, não escrevendo "direito" - falar talvez o falasse, pois era da área jurídica, ele mais que muitos outros, divulgou a beleza de nossa língua inculta.

Quando ouvi o pedido inusitado do moço ao interfone, logo imaginei que eu talvez tenha lido e aprendido com Lobato. E fiquei logo, também, ansioso para divulgar o meu modo de pensar.

Agora, fico eu, mui agradecido ao insólito rapaz, com minhas indagações sobre o pobre culto ou o culto pobre.

Ôpa! Olhe que riqueza, leitor!!! As palavras mudam de posição e invocam nova idéia.

Tomara - adoro expressões que vêm o português arcaico - que ninguém se apoquente comigo.

Hoje estou influenciado por Lobato. Sem muito gramatiquês. Como ele mesmo disse: "um burro bem arreado de regras será eminente".

3 comentários:

  1. Você foi muito feliz ao produzir um texto sobre nossa tão rica língua.Nós que somos bombardeados diariamente com um arsenal de livros,manuais de redação de empresas jornalísticas, colunas de jornal,programas de rádio e televisão, consultórios linguísticos e por aí afora.Devemos sim,resgatar nossa auto-estima linguística.Não devemos menosprezar nosso saber linguístico individual;parar de acreditar que não sabemos fazer uso de nossa própria língua;devemos recusar todas as afirmações preconceituosas acerca desses comandos paragramaticais impostos pelos ditos "cultos".Abraços!!

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  2. Li...

    E minha opini~ao s'o poderia ser uma:

    MAGN'IFICO!!!

    Parab'ens meu amigo...

    Forte abra'co.

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  3. E olha que "apoquentar" é usado no interior do nordeste naturalmente :)

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