"Você escreve com o coração"; alguém me disse. Fiquei me perguntando: como saber se estou escrevendo com o coração? Como saber se estou escrevendo o que quero escrever ou aquilo que os outros me convenceram a escrever?
Às vezes, quando leio o que escrevi, assalta-me o medo de estar vendo cada imagem com os olhos do outro, e não com os meus.
O temor de falsear a verdade, a minha verdade. Estarei vendo com os meus olhos e escrevendo de acordo? Não sei.
Ou quem sabe é apenas uma velhíssima questão me atormentando: o de aceitar meus outros eus. Aceitar minhas facetas; as que conheço bem, as que conheço mais ou menos, as que conheço pouco, e aquelas que temo conhecer.
Meus lados feios; as facetas horrendas. Disformes.
Escrever com o coração.
Mais só com o coração? Creio que não. Com a mente também. Busca, pesquisa de estilo, aprimoramento. Ler pela emoção e também pela técnica. Adotar o que me agrada; adaptar ao meu modo de escrever.
Exprimir sempre o que sinto e o que penso - eis a mente de novo - numa forma diferente, onde cada imagem possa falar por si, sem soar como gasta e sem parecer artificial. Fluindo. Como as sensações interiores para as quais usamos quilos de papel e ainda não sabemos descrever.
Estas devem fluir sem interferência do certo, do correto, do bem-escrever - que mata ou distorce a sensação.
Coração. Mente. E memória. O passado e as impressões dele, o momento que se esvai, os momentos felizes - há tantos!
Proust sabia que era difícil recuperá-los. Quem leu Em Busca do Tempo Perdido sabe do que estou falando: a memória é vaga, porém faz seu esforço.
Resta à intuição, aquele "eu-sinto-que" tão especial. Peculiar. O eu-sinto-que que nos diz o que fazer. O que escrever. Frases vêm, e quando as leio não sei como explicá-las. Não pensei objetivamente nelas, não as visualizei. Saiu. Melhor: fluiu. Cenas.
Achados felizes me vêm quando estou deitado, ouvindo música e só tentando dormir. As minhas pérolas de insônia: as que perdi, as que aproveitei depois num post, num dos raros poemas. Tantas.
Escrever com o coração: meloso, mas sincero. Com a mente: interessante, mas frio. Com a intuição: ininteligível. Preciso da emoção para aprofundar a idéia, do pensamento para dar forma ao que sinto.
Impossível escrever bem - o que é diferente de bem-escrever - sem a ajuda dos três. Há quem tente. Já li alguns. Os primeiros me fizeram chorar, contudo meu intelecto os despreza; os segundos me prenderam ao livro, porém não me conquistaram, faltava sentimento; os terceiros - esses eu li, reli, treli sem entender.
Uma sensação de burrice. Dão complexo na gente.
Os escritores intuitivos, ainda assim, me parecem melhores que os anteriores: conseguiram a coragem de olhar para dentro de si mesmo; nem sempre tive esta coragem.
Nem sempre tenho. E reconheço que é difícil - arriscado mesmo - vestir o que flui por dentro, pôr em ordem a sensação - muitas vezes esta se perde, ou perde em força, em verdade. A idéia é límpida, mas a tradução é a morte, complicada, adulteradora, mutiladora.
Os namorados sabem do que estou falando, eles que querem exprimir sua emoção um ao outro e só encontram as palavras de sempre.
Todavia, escrevo. Não posso fugir - e nem tenho vontade - a isto. Com o coração, com a mente, com a intuição. Ou tento. Estes se ajudam, sim, mas brigam entre si. Não gostam de partilhar o poder.
Reescrevo e reescrevo quando vejo que um deles sobrepujou os outros, luto, apago posts, risco uma palavra. E continuo.
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