No dia 29 de setembro de 2008, durante sessão solene em comemoração ao centenário do falecimento de Machado de Assis, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assassinou o povo letrado de seu país, determinando, em Decreto, a implementação do famigerado Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
A nova ortografia entrou em vigor no Brasil no dia 1º de janeiro, deste, mas a ortografia atual continuará válida até o dia 31 de dezembro de 2012.
Como única defesa, o sentimento de unidade é o grande motivador dessa Reforma. Agora, o registro escrito do Brasil vai igualar-se com a dos outros sete países: Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e Portugal; cujo idioma oficial é o português.
Todavia, essa tentativa de uniformização da Língua Portuguesa vai de encontro à marcha evolutiva natural que toda língua manifesta. Pois, o Português brasileiro vem a ser bem diferente do de Moçambique, que por sua vez o é do de São Tomé e Príncipe, e entre os restantes países lusófonos com relação um ao outro.
A meu ver, é uma lástima vergonhosa simplesmente defenestrarmos séculos de evolução de nossa língua pátria juntamente com a nossa identidade nacional.
Fora que - muito diferente do que grande parte já defende - a mudança ortográfica não facilitará a vida de alguém que não sabe escrever. Ignorância se cura com aprendizado.
Está claro que a queda do trema nos hiatos átonos, a extinção do acento em ditongos, ou se a palavra que tinha hífen deixa de tê-lo não facilitará substancialmente o aprendizado da língua. O que faz uma língua ser "culta e bela" não é a mudança de regras em si, é sim o quanto se fala e escreve brilhantemente com ela.
O Saramago pediu que, a essa altura da vida, não o importunassem com novas regras. Não sou tão velho quanto ele e nem tão talentoso, mas digo a mesma coisa.
Antes eu propunha a Campanha Nacional da Boçalização. Proponho agora a Contra-Reforma: que todos não mudem a escrita, que todos continuem a escrever sem mudanças.
Vale lembrar, também, que, independentemente de saber se a nova ortografia é linguisticamente melhor, ou se há vantagens políticas numa ortografia unificada com o Brasil e os outros países lusófonos, a questão fundamental não parece ter sido discutida.
Na verdade, a grande discussão seria: até que ponto faz sentido legislar sobre a língua?
Há três questões quanto ao Acordo Ortográfico que importa distinguir:
O primeiro é que um acordo ortográfico feito num país é inteiramente distinto de um acordo ortográfico que visa unificar as ortografias de diferentes países. Posto isto, há três razões contra a pretensa unificação ortográfica da língua portuguesa:
Primeiro: não há harmonia ortográfica nos países de língua inglesa, francesa ou espanhola;
Segundo: o acordo não unifica as ortografias, pois os portugueses continuariam a escrever "facto" e "género", e os brasileiros "fato" e "gênero";
Terceiro: mesmo que unificasse a ortografia, o acordo não unificaria o léxico, a sintaxe ou a semântica. No Brasil os autocarros chamam-se "ônibus" e os comboios "trens", e muitas mais variações semânticas existirão, e ainda bem, no português cabo-verdiano, angolano etc.
Em conclusão, o acordo pretende-se unificador, mas nada unifica.
A segunda questão é a mais importante: legislar sobre a ortografia é uma mania centralista inaceitável. A ortografia deve ser abertamente coordenada por todos os que a usam, como acontece com o léxico, a fonética, a gramática, a sintaxe e a semântica, e não por algumas pessoas que se outorgam o direito legislar sobre ela.
Onde não é preciso legislação deve-se fazer silêncio legislativo. Os angolanos sabem decidir como querem escrever as suas palavras, que são também nossas, assim como os brasileiros ou os portugueses, sem qualquer necessidade de legislação.
A terceira questão é saber se valeria a pena uma reforma ortográfica na Língua Portuguesa, independentemente de ser unificadora ou não. Esta questão depende da segunda. Há a tendência antidemocrática para pensar que reformar a ortografia equivale a legislar sobre a ortografia. Isto é falso. Introduziram-se muitas palavras recentemente no léxico português sem qualquer necessidade de legislação, como "lóbi", "dossiê" ou "robô".
Se a ortografia precisar de reforma, esta surgirá naturalmente nos dicionários, livros, gramáticas e jornais. Se não precisamos da força da Lei para passar a escrever "dossiê" em vez de dossier, também não precisamos dela para passar a escrever "voo" em vez de "vôo".
Felizmente, não é hoje possível mudar artificialmente a ortografia. Esse gênero de idiotice era possível quando só dez por cento da população sabia ler, e ainda menos escrevia regularmente, quando havia apenas cinco jornais, cuidadosamente vigiados pelo Estado, quando não havia internet e quando se publicava por ano o mesmo número de livros que se publica hoje num mês.
O acordo foi ratificado pelo Brasil, mas ninguém o usa nem vai usar. Tal como a última reforma ortográfica alemã caiu em saco roto, também qualquer reforma ortográfica portuguesa será pura e simplesmente ignorada pela maior parte das pessoas que publicam livros, artigos, romances, contos, poemas e idéias na internet, nos jornais, nos livros acadêmicos, escolares ou populares.
E por falar em internet, acuso que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa ainda não avisou à Microsoft sobre o Acordo Ortográfico. Tentei desautomatizar a colocação dos acentos e do trema, mas o corretor ortográfico do Word ainda não foi atualizado.
E isso faz com que meu primeiro texto do ano seja escrito de forma incorreta, tal qual escreve o presidente citado acima, que assinou o tal decreto.
Quer dizer; caso esse analfabeto saiba escrever algo, claro.
Imagina como ficaria nosso acervo literário! Espero que fique na conversa para boi dormir... ter que estudar português denovo? aff
ResponderExcluirps. gostei do jeito de burlar o blogspot para criar a página de contato e sobre vc kkkk (eles deveriam tomar vergonha na cara e dar a opção para criar páginas e não somente post's)...
Yuri, concordo com você em gênero, número, grau e hífens! rsrs
ResponderExcluirMe recuso a aderir a esse "Acordo Ortográfico", e o considero completamente inútil.
Deste teu escrito, nobre Yuri, concordo da primeira letra ao ponto final. Como de costume, soubestes jogar com as palavras, combiná-las e dar a elas verdadeiro significado, apesar da contramão da ignorância ortográfica de nossas autoridades, tão à margem que se encontram do sentido literal que tais mudanças trarão.
ResponderExcluirFestejo ver-te articular-se tão desenvolto por importante e nobre causa. E me assombra de tal maneira, ver que quem de fato deveria se rebelar por vil crime contra a língua mãe, acomoda-se confortavelmente na letargia, na insensatez, na insensibilidade e, por que não dizer, na ignorância.
Por fim, afável amigo, aplaudo tua iniciativa, que com conteúdo e em bom e correto português, deu resposta a esta insanidade. Os admiradores da língua culta o agradecem. Parabéns!
Moço?!?
ResponderExcluirEi revoltado, porém por causas justas, então tá justificado...
Atualiza também... rs
Beijos...