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segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Ultrapassando o campo da Literatura: Franz Kafka

A obra do escritor tcheco Franz Kafka é tão difundida, e já foi tão dissecada, que dificilmente alguém pega para ler um romance seu sem tomar conhecimento de muito do que já foi dito a respeito.

De Freud a Hannah Arendt, vários pensadores tiveram suas idéias identificadas dentro do peculiar mundo kafkiano, e eu já conhecia algumas dessas interpretações.

Foi portanto com uma intrigante sensação de "já sei o que vou encontrar pela frente" que li O Processo e, posteriormente, A Metamorfose.

No entanto, o principal atrativo do romance estava numa característica sua que ninguém havia mencionado: sua capacidade de transmitir ao leitor o espírito da história não apenas através de pensamentos, mas também de sensações.

A normalidade bucólica da vida de Josef K. pode ser sentida nos primeiros trechos, quando o mesmo não perde a calma mesmo tendo seu quarto revistado por dois estranhos. Toma café, conversa com a senhoria, até flerta com uma vizinha, como se o nebuloso processo do qual é réu nem de longe o tocasse.

Após a primeira visita ao tribunal, o mundo asfixiante daquele tribunal tão hermético e singular vai progressivamente dominando-o, até a queda final, absorvendo todos os seus pensamentos e se instalando em todas as instâncias de sua vida.

Se nos primeiros capítulos são mencionadas relações dele com a senhoria, a vizinha, uma namorada, um amigo promotor, todo esse mundo do qual fazia parte antes do processo desaparece da metade para a frente. E o leitor, paralelamente, sente o amplexo progressivo dessa serpente, que constrange e sufoca progressivamente tanto o protagonista quando o espectador de seu drama.

É impossível não se sentir sufocado a cada corredor estreito, acada saleta escura, a cada reentrância legal em que se enreda Josef, que quanto mais luta para escapar, mais e mais se complica, como a presa que se enreda na teia à medida que se debate com mais e mais ímpeto, enquanto a aranha observa, calma, apenas aguardando o momento de devorá-la.

E tudo se torna ainda mais assustador quando percebemos que não apenas K. é a mosca, mas também nós, os leitores, sentimos as fibras da teia nos apertarem mais e mais, e podemos senti-la tremular enquanto a aranha se aproxima lentamente para tomar o que lhe é de direito.

Aqui fazemos menção à outra obra em análise, A Metamorfose, que possui exatamente a mesma índole: oprimir progressivamente o leitor, fazendo-o sentir-se como Gregor Samsa, mas aqui a perspectiva é um pouco distinta.

Em O Processo, vemos Josef K. perdendo progressivamente sua vida pessoal para ser completamente absorvido pelo drama que vive. Em A Metamorfose, a narrativa começa com a desgraça já consumada. Enquanto K. vê sua vida se perdendo como quem vê a água descer pelo ralo, Gregor contempla aquilo que já perdeu. Embora houvesse a possibilidade de voltar ao normal da mesma forma bizarra e inexplicável como se metamorfoseou, em nenhum momento se retrata essa esperança.

Sua luta, que dura cem páginas, é apenas para continuar a sobreviver naquela situação horrenda, até que finalmente ele, assim como Josef K., se entrega, após tanta luta, com serenidade e sem resistência no momento final, àquela circunstância que se impôs invencível diante dele.

Josef K. e Gregor Samsa, como já mencionado, foram transformados em ícones tanto do complexo de Édipo freudiano (bem como Kafka, cuja relação conflituosa com o pai já rendeu muita psicanálise) como da irracionalidade tirânica do totalitarismo (não há como não comparar o processo movido contra Josef com os famosos "Processos de Moscou").

Não discordo de tais abordagens, mas para mim o que torna Kafka soberbo é a sua habilidade em jogar o leitor na mesma espiral de desespero na qual envolve seus personagens. Se você não sente um aperto na garganta durante as visitas de K.aos órgãos do tribunal ou no parágrafo de sete páginas no qual são expostas as nuances do processo, nem ao imaginar o quarto fechado, escuro e poeirento no qual Gregor rasteja sua condição miserável, Kafka será para você apenas um autor hermético e chato. O que é uma pena, mas...

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Richard Wagner - Uma transcendência

Sem entender muito como existem pessoas capazes de pagar cerca de R$ 300,00 para as mesmas atrações duas ou três vezes ao ano, que sempre tocam as mesmas músicas e com o mesmo ritmo, resolvi abrir espaço para protestar!

Não que eu tenha algo pessoal contra aqueles que gostam desse tipo de musica, mas é um comportamento que denota no mínimo falta de massa encefálica. Bom, não é essa a questão que interessa.

A verdadeira Apostasia é terem usado a música divina de um gênio, na propaganda deste tipo de evento. Num refugar de tambores, ao ressoar os portentosos acordes de 'A Cavalgada das Valquírias', de Wagner, foi anunciado um festival de Axé!

Antes que blasfemem e anunciem a shows de Tecnobrega com o 'Tristão e Isolda', cabe a esse blog dar ao gênio alemão o verdadeiro reconhecimento à sua magnificência.

Talvez tão importante na história da música quanto Bach, Wagner é Fantástico. Suas óperas são uma maravilha de drama em música, culminando claramente no magnífico 'Tristão e Isolda' e no monumental e incomensurável 'O Anel do Nibelungo', sem esquecer, claro, do belíssimo 'Parsifal' - inspirado no Cálice Sagrado, O Santo Graal.

A criação dos ambientes musicais é uma especialidade do compositor alemão, como em 'Tannhauser', uma metáfora em forma de ópera.

Melhor compositor de ópera todos os tempos , melhor que Mozart, Verdi, Beethoven etc. Com todos os defeitos pessoais, Wagner nos deixou um obra muito mais importante que todos os compositores somados e elevados ao quadrado.

Tão humano quanto os grandes gênios (BMB), não foi um prodígio, não ficou surdo, sua vida não foi um sucessão de desilusões amorosas. Certo que ele tinha traços bons e ruis! Todos nós temos! Mozart não foi um santo, muito mesmo Bach, nem mesmo Beethoven.

O grande problema é que Wagner foi apropriado indevidamente como ferramenta da propaganda nazista (bom gosto musical, pelo menos!). Mas o fato da música de Richard Wagner ter sido apropriada como ferramenta nazista teve seus fundamentos.

A própria filosofia de Wagner tinha caráter anti-semita. Claro que ele nunca imaginou que um dia suas atitudes anti-semitas chegariam ao extremo. Anti-semita, mau caráter, tudo isso, mas gênio absoluto.

A obra redime o homem e Wagner fez algo em que era realmente bom: Óperas. A ideologia de um compositor/intérprete não importa muito de ele não for competente, e isso Wagner era muito!

Há um livro muito interessante sobre o assunto: 'Wagner e Nietzsche e a filosofia do pessimismo'. É importante salientar que Wagner não era nazista ou proto-nazista. Muito menos Nietzsche. E só!

Voltando a falar de música, Wagner foi o mais romântico de todos os compositores, suas óperas revelam isso, tanto na forma de expressão quanto no enredo. Na temática das óperas vemos esse romantismo.

Wagner implodiu o sistema tonal exatamente para conseguir uma maior gama de expressões. Richard Wagner libertou a música, ela não não precisa de adequar ao sistema tonal, o sistema tonal que tem de se adequar a ela.

Wagner deveria ser lembrado sempre como o maior de todos os compositores, não pelo papel que exerceu, mas pela qualidade de sua obra. E não ser lembrado em uma abertura de um festival de axé.

Para quem não conhece, um conselho: ouça Wagner, e não deixe se assustar pelo tamanho de suas obras, a música é ainda maior.

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Desumano, demasiadamente desumano.

Pensava agora a pouco sobre a existência humana. Mais precisamente sobre a minha existência.

Antes, tinha comigo a imagem da vida como uma epopéia. Possuía crenças, me exigia realizar grandes feitos, onde estaria disposto a sofrer e me sacrificar.

Com o tempo, reparando no mundo que me cerca, na sociedade alienadora, pude perceber que a vida é apenas "uma sala burguesa" onde o cotidiano mais ordinário contenta os seres humanos normais. Mas isso não me contenta!

Sou então 'Dom Quixote'! Necessito do heróico, dos grandes poetas, do belo, do "medíocre", mesmo que isso signifique lutar contra moinhos de ventos.

Desespero-me perante o mundo simples e cômodo de hoje! "Para quem requer música em vez de barulheira, alegria em vez de prazer, alma em vez de dinheiro, trabalho puro em vez de ativação, paixão pura em vez de brincadeira, este mundo lindíssimo não é pátria..." A dor, a contrariedade, todos esses abalos triviais me fazem pensar em...

Não consigo ver-me sem as lentes simplificadoras e deturpadoras do julgamento. É como se houvesse uma multiplicidade de eus e a cada máscara retirada vejo-me aprofundar na solidão e incompreensão; sinto-me afastar do normal, do aceito pela sociedade.

Então eu não sou normal, assim como minhas crenças, idéias e sonhos não são normais. Como conviver com isso? Como conviver com todas essas faces ou como permanecer com uma apenas? Como ser aceito na sociedade? Mas pra quê ser aceito por ela? Condenei tanto o senso-comum das idéias e será que tudo que busco é aceitá-las, integrar-me à elas? Não, isso não! Jamais!

Mas por que essa necessidade de integrar-me ao mundo? Não seria o mundo que deveria integrar-se à mim? Ou ao menos me aceitar, me compreender...

Não sei o que fazer quando me deparo com essa personalidade multifacetada, nem com tantas idéias contraditórias. Talvez a idéia calada pelo pensamento seja uma solução. Ou, quem sabe, a única solução... Pensar na condição humana é algo demasiado difícil.

Muitos pensaram sobre ela: Nietzsche, Goethe, Freud. Mas eles não conseguiram chegar a meras especulações epistemológicas. Pensar no que nos faz humanos. Mas é mais fácil pensar no que nos faz desumanos (gente, gentalha, populacho!).

Ser humano evoca mais. Como perceber a insustentável leveza da condição humana como disse Tolstoi. Nessa insustentável leveza reside nossas mais caras perspectivas, mais estúpidos erros, limitações, angústias e tudo mais que nos torna demasiadamente humanos.

Mas entre esses "atributos" um me incomoda muito. O medo. Medo de deixar de ser humano e me tornar gente.

Essa corja que povoa a sala burguesa. Não quero ser gente ao ponto de pensar essa grade de pensamento tacanha que serve de suporte para a classificação de tudo e de todos; quero sentir meus sentimentos mas não pelos moldes hipócritas, legado do processo civilizatório, não quero fazer o mesmo discurso frouxo que o social erigiu.

Não quero ser forte por mentir; quero ser forte por contar com minha alma, minha cognição. Não! Eu quero verdades, mesmo que axiomáticas, que se sustentem. Tudo que penso é tão real pra mim mas tão anormal pra os outros. Paradoxal e dialético como todo real pode ser, aliás, só pode ser.

Esses movimentos eternos de tantos paradoxos e dialéticas se misturam naquilo que Goethe chamava de turbilhão da modernidade. Porém, nesse turbilhão eu não vou me transformar em gente.

Lembra dessa passagem que Goethe descreve Fausto observando a gente que seguia a procissão do Cristo morto? Toda a sorte de gente que seguia o "útero podre" da sociedade moderna? É encantador.

Nesse movimento desconexo e ilógico onde se misturam pequenezes, frustrações, vazios e ecos tão ordenadores enquanto elementos constituintes e constituidores do senso comum. Paradoxal e dialético não, Imbecial mesmo!!! Como tudo que eu penso.

Será que é isso: culpa da modernidade? Algo exclusivamente dos nossos "dias modernos"? Se for assim, talvez eu encontre refúgio numa outra dimensão, num lugar situado além da aparência e do tempo. E novamente a solução seria o pensamento calado... Estou confuso sim! Tudo bem, tudo bem! Vou parar de ler aquele maldito livro!